quarta-feira, 17 de junho de 2015

FIFA: A quem a entidade deve satisfações?



Eu sou louco por esportes. A minha lembrança vívida mais antiga de um evento esportivo é a das olimpíadas de Moscou, em 1980. Quando os EUA boicotaram os jogos, no final da Guerra Fria. Desde aquela época, o esporte já era utilizado como manobra geopolítica. O que ocorre agora é algo bem semelhante. Não que as acusações sejam falsas e que não exista corrupção dentro da FIFA, mas as motivações americanas não estão embasadas no seu desejo de ver um "soccer" livre de negociatas. Antes de qualquer coisa, os americanos, imbuídos por si mesmos da tarefa de policiar o mundo, desejam atingir a Rússia. 

De acordo com John Shulman, professor convidado da Fundação Dom Cabral, especialista em mediação de negociações, cofundador do Centro para a Negociação e a Justiça dos EUA, e formado em direito pela Universidade de Harvard, "a intervenção não teve cunho legal, mas geopolítico”. Com essa ação, os EUA envia um recado para o mundo, o de que seu sistema legal pode alcançar qualquer um que estiver fazendo algo errado. 

O professor prossegue, dizendo que “os Estados Unidos nunca deram a menor bola para o futebol. De repente, pela primeira vez na história, o The New York Times vem com a primeira página inteira falando do assunto". Para o professor, há vários pontos obscuros no envolvimento americano. A logística de uma operação internacional deste porte simplesmente não vale a pena. Até porque não há um número de vítimas nos EUA que justifiquem tamanha mobilização. Há empresas nos EUA muito mais corruptas do que a FIFA, inclusive no segmento desportivo. O que vemos no momento são os EUA mobilizando seu aparato legal interno em prol de questões geopolíticas. No caso, para colocar pressão na Rússia (sede da Copa de 2018), com quem o país tem tido problemas recentemente, e no Qatar (sede da Copa de 2022), onde também existem questões geopolíticas.

Além disso tudo, é preciso levar em conta a questão financeira. O futebol movimenta bilhões em dinheiro, o ano todo, no mundo todo. Os valores de venda de jogadores, direitos de imagens, material esportivo, programas televisivos e a venda de espaço para propaganda, ultrapassam o PIB de muitos países. Obviamente que quem gere tudo isso espera obter enorme lucratividade, já que os investimentos e os riscos são da mesma proporção que o lucro. Então, as pessoas que administram a entidade e controlam os negócios por ela gerados, não vão querer perder absolutamente nada. Como ter certeza que um negócio vai dar certo? Com a mais eficaz ferramenta corruptora: a propina! 

O futebol passou a ter essa enorme visibilidade empresarial quando Horst Dassler, dono da Adidas e quem inventou a ISL, descobriu o poder do marketing esportivo, percebendo que poderia faturar alto promovendo eventos esportivos para grandes audiências, e ao mesmo tempo ver sua marca aparecer na TV.

Quando Havelange presidia a FIFA, tendo sido presentado com o cargo por Dassler, Blatter era o secretário-geral. Embora recentemente, provavelmente orientado por alguma assessoria de imagem, tenha se dedicado à “transparência”, Blatter atuou eficazmente nestes anos todos para encobrir os malfeitos da cartolagem. Como, por exemplo, quando o promotor suíço Thomas Hildbrand pegou Havelange e seu ex-genro Ricardo Teixeira com a mão na massa, a FIFA fez tudo o que estava ao seu alcance institucional para livrar os cartolas brasileiros, chegando ao cúmulo de dizer que as propinas na verdade eram comissões perfeitamente legais. Tentou bloquear na Justiça a divulgação do devastador relatório do promotor que trouxe as propinas à luz, na casa dos milhões e milhões de dólares.

Hildbrand, a certa altura de seu relatório, diz que o papel de Teixeira era preservar o "status quo" no que se refere aos contratos. Como sabemos, no Brasil FIFA e CBF (Havelange e Teixeira) ajudavam a ISL, que vendia os direitos de transmissão à Globo, que nunca foi incomodada pela concorrência. Na disputa pelas Copas de 2002 e 2006, a ISL enfrentou pela primeira vez a competição da empresa norte-americana IMG, do lendário golfista Arnold Palmer. Ele fez uma oferta muito maior e prometeu aumentar o valor — de U$ 1 bilhão — caso houvesse leilão. As duas propostas foram a votação no Comitê Executivo da FIFA: a ISL teve 9 votos a 6, com três abstenções e duas ausências. Isso foi antes de se descobrir o imenso propinoduto da ISL, que irrigou inclusive as empresas de fachada de Ricardo Teixeira e João Havelange, Sanud e Renford.

E o que Palmer, afinal, tem a ver com Fábio Koff, o ex-presidente do Clube dos 13? Muito. Koff, à frente da entidade, tentou promover no Brasil uma concorrência pública para vender os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. Em 2011, a RedeTV! venceu a concorrência com uma proposta de R$ 1.548.000,00 por três temporadas. Uma proposta que seria bem superior ao que a Globo vinha pagando. Por conta disso Ricardo Teixeira se mexeu nos bastidores para destruir o Clube dos 13, o que efetivamente conseguiu. Em consequência, a Globo passou a negociar diretamente com os clubes. Teve de pagar mais do que pagava anteriormente, mas não correu o risco de perder os direitos.

Falando na Globo, coitada, coincidentemente envolvida novamente em controversa atividade, quase não toca no nome do paulista José Hawilla, proprietário da empresa Traffic, que delatou um monte de gente quando permitiu que o FBI grampeasse seus telefones, e que é dono de uma afiliada da Globo no interior do estado de São Paulo. Não deve ser fácil para a família Marinho comprovar sua isenção de qualquer relação com as denúncias e escândalos, sendo a detentora da exclusividade dos direitos de transmissão da Copa do Mundo FIFA. Que, coincidentemente, veja só, segundo as denúncias, é onde corre o dinheiro de verdade.

Aqueles que se dizem chocados com toda essa corrupção no futebol, seja na FIFA ou na CBF, saibam que não é nenhuma novidade, e segue os parâmetros normais que envolve todo e qualquer empreendimento capitalista de grande porte, onde concorrência e livre mercado são apenas conceitos teóricos. Precisamos ter em mente que tudo isso está ocorrendo fora do campo de jogo, o esporte futebol está isento de culpa. 

Onde deveria haver livre mercado, vemos gigantescas corporações multinacionais estabelecerem monopólios e cartéis, valendo-se de brechas em leis e normas, categorizando propina como premiação por produção, e a lavagem de dinheiro é feita na Suíça, onde, coincidentemente, fica a sede da Fifa. 

Algumas da empresas parceiras da FIFA, e que provavelmente, assim como a inocente Globo, também não sabiam dos esquemas de corrupção: Adidas, Coca-Cola, Budweiser, McDonald's, Gazprom, Visa e KIA-Hyundai. A Adidas, por exemplo, tem contrato com a FIFA desde 1970, e recentemente o renovou até 2030. Só no futebol, a Adidas fatura quase 3 bilhões de dólares anualmente.

Mas e agora? A quem a FIFA deve satisfações? Cabe ao FBI assumir a frente e investigar uma organização privada, que tem sede na Suíça, e que age em âmbito mundial? E que ainda por cima, se auto-regulamenta? A quem pertence o futebol? A quem pertence a seleção de um país? A CBF responde a quem? Cada país conta com um sistema de regras, leis, normas. Legalmente, financeiramente, a CBF responde como qualquer empresa privada, perante o Código Civil e a Receita Federal. Mas em relação ao seu estatuto e o ofício exercido pela entidade, ela responde a FIFA. Já esta, não responde a ninguém, e se dá poderes de um pequeno estado, ou califado. Não seria portanto uma obrigação da ONU ou da OMC investigar e regrar a FIFA?

Pobre futebol, e os cartolas cada vez mais ricos...

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