domingo, 21 de junho de 2015

A CIA E O GOLPE DE 64 NO BRASIL.

O conhecimento e análise da trajetória humana em múltiplas temporalidades é objeto peculiar da História. O historiador, ao deslocar seu olhar crítico para o passado, procura compreender as ações dos sujeitos históricos, suas motivações e as condições nas quais foram empreendidas. Busca também entender o registro dessas ações, através da análise crítica das fontes documentais preservadas ou mal conservadas e também das razões que levaram, quando é o caso, à sua destruição ou abandono. 

Ao fazê-lo, muitas vezes, dialoga com manifestações da memória caracterizadas por conflitos, lembranças, esquecimentos, silêncios e comemorações. Trata-se do movimento dialético que caracteriza as relações entre esquecimento e lembrança, sempre presente na condição histórica. O conhecimento histórico e também a memória são campos sempre permeáveis aos interesses dos sujeitos individuais e coletivos, que atuam nas
diversas conjunturas, nas quais o homem constrói o processar da História. São também terrenos férteis para expressão de disputas políticas, sociais e, sobretudo, de registros das práticas de exercício do poder. História e memória são altamente seletivas. 

O período do nacional-desenvolvimentismo no Brasil tem sido contemplado por produção historiográfica bastante significativa, com destaque especial para a atuação dos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, analisados, de forma recorrente, pela historiografia. A mesma ênfase não acontece em relação a João Goulart, que tem sido relegado a um segundo plano pela produção historiográfica e também pela memória coletiva nacional. Todavia, Jango foi um dos principais líderes trabalhistas brasileiros. Orientou, com indiscutível coerência, sua prática política por uma opção de consolidação renovada da herança varguista e pela adoção e apoio a iniciativas destinadas à
ampliação da cidadania social e à defesa dos interesses econômicos nacionais. 

A crise que levou ao golpe de 64 começa com a renúncia do presidente Jânio Quadros em julho de 1961, após pouco mais de sete meses de governo. Devido a sua política, que se mostrava de esquerda para os políticos que eram contra o Comunismo, Jânio perdeu o apoio político que precisava para se manter no governo. 

Seu vice João Goulart assumiu a presidência depois de muitos conflitos, pois também não era visto com bons olhos pelos mesmos que forçaram Jânio Quadros à renúncia. As reformas que João Goulart trouxe ao seu governo assustaram as elites. Em março de 1964, depois de rebeliões, da perda da sustentação popular e da perda do apoio dos políticos, militares e políticos de direita se unem e derrubam o governo de João Goulart, e instauram uma ditadura militar que cuidou rapidamente de desprezar os políticos e as instituições. O regime militar regenerou-se em um sistema repressivo, que cuidou de levar a violência para todos os segmentos considerados de oposição. É importante lembrar a tensão internacional desta época. 

No cenário político internacional acontecia a Guerra Fria. Estados Unidos da América versus URSS, ou “mundo livre” versus comunismo. Os Estados Unidos na intenção de conter o comunismo na América Latina, afirmava que a democracia era incapaz de evitar a eclosão deste tipo de regime. Este foi o álibi usado para justificar os golpes militares. A influência norte-americana no golpe militar do Brasil foi determinante.

Estas crises eram desfavoráveis para a atuação econômica dos Estados Unidos dentro do Brasil. Sendo assim, fica visível o porquê da sua intervenção política no país durante o período de preparação para o golpe, e na sua manutenção. Em 31 de março de 1964 foi aprovada uma operação sigilosa intitulada de Brother Sam. Esta operação consistia em dar apoio logístico, material e militar aos precursores do golpe. Este apoio contemplava
o envio para o Brasil de porta-aviões de ataque pesado, transportando armas, munições e outros recursos. 

O regime de João Goulart representava a contradição fundamental entre a responsabilidade de um governo para os cidadãos que o elegeram, e a obediência às exigências de credores estrangeiros expressa no programa de estabilização do FMI. Um governo que se recusasse a fazer qualquer gesto em direção satisfazer as suas condições, freqüentemente encontrava o seu crédito internacional para as importações cortados aqueles que, por sua vez, aumentavam a probabilidade de um golpe induzido pela CIA.

Um país no meio de uma crise de balanço de pagamentos geralmente é incapaz de obter o crédito necessário a menos que mudanças políticas significativas sejam feitas. Por exemplo, os novos empréstimos só podiam ser obtidos através de uma mudança de distância de políticas econômicas nacionalistas em direção a medidas que favorecessem o investimento estrangeiro.

Como está sendo cada vez mais suportado por outros países do Terceiro Mundo, o sistema democrático do Brasil no início da década de 1960 se provou desigual ao difícil desafio colocado pela restrição de divisas. Desde que Goulart foi eleito por uma coligação "populista" de eleitores que abrangem linhas de classe, o próprio sistema partidário poderia colocar qualquer grupo significativo em desvantagem. Neste ambiente, o golpe de 64 tornou-se uma condição sine qua non para o novo crédito dos EUA.

Anteriormente, em 1958, o presidente Juscelino Kubitschek tinha sido forçado a chegar a um acordo com o Fundo Monetário Internacional sobre determinadas medidas de estabilização, a fim de garantir um empréstimo de U$ 7.300,000 mil dólares americanos. Mas o presidente do Banco do Brasil recusou-se aceitar a proposta de aperto de crédito do governo que teria causado uma depressão no setor privado. Depois, Kubitschek rompeu as negociações e perdeu a esperança para o empréstimo americano. Ele conseguiu obter o crédito externo necessário por meio de um curto prazo, empréstimo de alto custo a partir de fontes privadas no exterior. Mas seu sucessor, Jânio Quadros, herdou uma crise de amortização da dívida em grande escala que não podia mais ser adiada.

Quadros imediatamente chegou a um acordo com o FMI e seus credores estrangeiros. Ele aboliu os "leilões de troca", que o governo brasileiro, leiloando suas reservas cambiais para o maior lance / importador, tinha usado anteriormente como fonte de controles cambiais. Certas rendar foram estabelecidas (subsídios) para as importações "necessárias", efetuaram uma desvalorização do cruzeiro brasileiro em cinquenta por cento. O FMI ainda não estava satisfeito, no entanto, e em julho de 1961, conseguiu forçar Quadros a abolir todos os controles de câmbio e a atrelar todas as operações de câmbio na taxa livre do mercado mundial

Ao atender as exigências do FMI, Quadros foi capaz de negociar novos créditos e reescalonamento de pagamentos devidos com os EUA e credores europeus. A inflação ainda assolava, no entanto, e quando Quadros ofereceu crédito limitado (como Kubitschek antes dele) ele encontrou forte pressão política. Na esperança de ganhar o apoio popular e um novo mandato para liderar o país, Quadros renunciou após apenas oito meses no cargo.

Sucessor de Jânio Quadros, João Goulart, cuja força política repousava sobre os laços estreitos que ele tinha promovido com os sindicatos, enquanto Ministro do Trabalho de Vargas, estava à esquerda do espectro político brasileiro. A verdadeira ameaça - para os industriais, o exército e os investidores estrangeiros - era o risco de que, sob o governo de Goulart, o trabalho organizado se tornasse a força política dominante no Brasil. Se Quadros não poderia realizar o seu programa de estabilização, parecia ainda menor a esperança de que o conseguisse Jango.

Durante a presidência de Goulart, as contradições inerentes ao desenvolvimento do pós-guerra do Brasil atingiu o ponto de ruptura. Goulart tinha herdado os problemas acumulados de 15 anos de inflação e de endividamento externo, que nenhum de seus antecessores tinham enfrentado com êxito. Um último esforço do Brasil na estabilização econômica dentro de um quadro democrático foi feita em 1963. O plano de três anos, elaborado pelo ministro das Finanças, Santiago Dantas, e Ministro de Planejamento Econômico, Celso Furtado, foi feito com um olho no eleitorado brasileiro e o outro sobre o FMI.

Por um lado, este plano prometeu realizar reformas tributária e agrária, enquanto regressava a uma alta taxa de crescimento. Ao mesmo tempo, no entanto, procurou conter a inflação, que era uma condição prévia para receber novos créditos e / ou diferimento dos pagamentos devidos. Em 1963, este esmagamento de encargos de amortização da dívida ameaçou comer até 45 por cento dos rendimentos de exportação do Brasil.

Quando o plano foi apresentado ao FMI, este último queria condições mais rigorosas. Estas eram: desvalorização do cruzeiro; reforma de câmbio, que significava a supressão de subsídios sobre a importação de trigo e petróleo; e, as restrições sobre o défice orçamental (que se traduziu numa redução dos serviços governamentais) e os aumentos salariais. Estas restrições foram projetadas para contrair a oferta de moeda e deprimir os custos de bens e de trabalho. Produtos mais baratos e de trabalho (à custa dos trabalhadores) tornaria os produtos brasileiros mais competitivos no mercado mundial. Mas os elementos contraditórios do Plano Trienal logo explodiram.

Pois no outono de 1961, assim que João Goulart assumiu a presidência, os Estados Unidos começaram a fazer contato com a oposição de direita. Ao mesmo tempo, a CIA começou a penetração multifacetada da sociedade brasileira, para influenciar a política interna desse país. Lincoln Gordon, embaixador dos EUA no Brasil, foi nomeado no mesmo dia que o antecessor de Goulart, Jânio Quadros renunciou. Logo após sua chegada, em outubro, Gordon encontrou-se com um almirante de direita chamado Silvio Heck. Heck informou Gordon de uma pesquisa com as Forças Armadas, que revelaram que mais de dois terços dos homens alistados faziam oposição a Goulart. 

A CIA, por sua vez, teve mais que apenas um interesse passivo em ajudar as forças militares de direita a chegar ao poder no Brasil. A derrubada de Goulart, e a destruição da democracia no Brasil, foi realizada por meio da manipulação de diversos grupos sociais. Policiais, militares, partidos políticos, sindicatos, federações de estudantes e associações de donas de casa, foram todos explorados no interesse de agitar oposição a Goulart. No entanto, enquanto a intenção original de Washington pode ter sido para substituir Goulart com o homem forte Geral Castello Branco, a garantia de sucesso a longo prazo do golpe exigiu um aumento de material e de treinamento dos EUA para as forças de segurança brasileiras que continua até hoje.

Desde o fim da II Guerra Mundial, Washington tinha usado o seu papel de polícia do chamado Mundo Livre para justificar a expandir a sua influência nas forças brasileiras. O planejamento militar entre os dois países foi coordenado por uma Comissão Militar Mista Brasil Estados Unidos (JBUSMC). Em 1949, o Pentágono ajudou o Brasil a configurar e treinar funcionários da Escola Superior de Guerra (War College Avançado), uma cópia fiel do National War College dos EUA.

Assim como Castello Branco, outro general do exército brasileiro que foi fundamental para o golpe foi Golbery do Couto e Silva. Como Castello Branco, Couto e Silva era um membro da elite militar do Brasil, que se apaixonou pelo pensamento militar dos EUA, enquanto membro da força expedicionária dos Aliados na Itália, em 1.945. Couto e Silva foi particularmente influente na formação da Escola Superior de Guerra Avançada, popularmente conhecida como a "Sorbonne brasileira". Em um ponto o chefe da seção brasileira da Dow Chemical, Couto e Silva tornou-se chefe do primeiro serviço de inteligência nacional do Brasil, o SNI, após o golpe de Estado em 1964.

No início dos anos 60, o agora aposentado General Couto e Silva tornou-se o chefe de gabinete do Instituto de Estudos de Pesquisas Sociais (IPES, em Português). A inspiração líder no IPES foi Glycon de Paiva, um engenheiro de minas do estado de Minas Gerais. Para evitar a detecção, IPES posou como uma organização educacional que doou dinheiro para reduzir o analfabetismo entre as crianças pobres. O real trabalho do IPES, no entanto, era organizar a oposição a Goulart e manter dossiês sobre qualquer um que Paiva considerasse um inimigo.

Fazendo a ronda pelos grandes industriais do Brasil, Paiva foi capaz de apelar para os seus interesses, traduzindo o seu ódio visceral ao comunismo em uma mensagem simples que pudessem compreender: Goulart quer tirar de você o que é seu. Desta forma, de Paiva foi capaz de angariar cerca de U$ 20.000 por mês em doações. 

Outra parte do esforço da CIA para criar o sentimento anti-Goulart no Brasil foi o aparelhamento das eleições. Trabalhando através de um grupo de fachada, chamado Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), a CIA canalizou dinheiro em campanhas políticas locais. Nas eleições de 1962, IBAD não só financiou mais de mil candidatos, mas recrutou-os para que sua primeira lealdade fosse com o IBAD e a CIA. Em todos os níveis, de deputados estaduais até governadores, a CIA empilhou cédulas em favor de seus candidatos.

Em fevereiro de 1964, a CIA foi quase "queimada" por uma investigação parlamentar sobre a sua violação das leis eleitorais de 1962. A CIA tinha gasto cerca de US $ 20 milhões, mas um escândalo foi evitado por três empreendimentos: cinco dos nove membros da comissão de investigação haviam recebido fundos da CIA; três bancos envolvidos - First National City Bank, o Bank of Chicago, e do Royal Bank of Canada - recusaram-se a revelar as fontes estrangeiras do dinheiro depositado no IBAD e as contas da ADEP; e, por último, Goulart, ainda na esperança de apaziguar Washington, fez com que o relatório final fosse arquivado.

A CIA também manipulou alguns membros do movimento estudantil. Os benefícios de ter ativos nas universidades, no entanto, não foram alcançados até depois da derrubada de Goulart. Embora em grande parte ineficazes antes do golpe, o Grupo de Ação Patriótica (GAP), foi posteriormente usado para espionar membros da união nacional de estudantes (UNE). GAP foi fundada por Luis Aristoteles Drummond cujo herói era o almirante direitista Silvio Heck. Durante um programa de rádio que fez no Rio de Janeiro, Drummond expôs os GAPs, segundo ele determinantes na defesa da liberdade e da propriedade, e que apenas os militares poderiam salvaguardar.

Não surpreendentemente, a entrevista foi retransmitido pela Voz da América. Mais tarde, a CIA municiou Drummond com 50.000 livros e folhetos da Guerra Fria sobre a ameaça comunista e, mais adiante, diretrizes contra a UNE. Ainda assim, os seguidores de GAP era pequeno e sempre que Drummond colocava cartazes dizendo "GAP com Heck," ele o fazia na calada da noite.

Nos quatro anos seguintes ao golpe, no entanto, Drummond e o GAP passou a desempenhar um papel-chave na nova junta. Por exemplo, durante uma manifestação estudantil em Maio de 68, em protesto contra o custo da educação, um jipe militar foi virado e incendiado. Na manhã seguinte, Drummond foi convidado para falar sobre o incidente com o presidente Costa e Silva. Embarcando em um avião militar, Drummond foi levado de avião para Brasília, onde passou uma hora com o presidente identificando líderes da manifestação e assegurando Costa e Silva que eram comunistas, que não representavam a maioria dos alunos.

A negação de todos os direitos políticos e a supressão dos esforços da classe trabalhadora para ganhar uma partilha mais equitativa da enorme riqueza natural do Brasil desmentem o "milagre econômico" do país, que os investidores estrangeiros adoravam proclamar. O tal milagre ocorreu apenas para uma pequena elite. Além disso, os mercados em que o Brasil podia se orgulhar de competir, eram os de matérias-primas, produtos agrícolas e bens manufaturados. Estes mercados são todos dependentes e, assim, orientados para a exportação, sobre os preços flutuantes do mercado mundial. Ao somarmos a isso o custo barato da mão de obra do trabalhador brasileiro, que é um pré-requisito para a manutenção desses bens competitivos, não é de admirar que o PIB do Brasil per capita fosse um dos mais baixos da América Latina.

O processo histórico que marcou a trajetória republicana brasileira nos anos de 1961 a 1964 tem sido objeto de interpretações, ora divergentes, ora complementares. Mas, com certeza, elaboradas sob influência de teorias ou concepções hegemônicas no período em que foram produzidas e também
das condições de acesso a fontes documentais e aos conteúdos nelas encontrados.

A efervescência do início da década de 1964 e os acontecimentos, conflitos e projetos que a caracterizam tiveram como desfecho o golpe de estado de 1964, marco inaugural de uma conjuntura política, marcada por crescente autoritarismo. Não foi a primeira vez, na trajetória republicana brasileira, que uma experiência democrática foi interrompida. Triste sina a da realidade política do Brasil! 

Usualmente não consideramos normais as disputas e divergências peculiares à democracia política e muito menos absorvemos a efetiva participação de organizações populares no cotidiano das relações políticas. Assim aconteceu em 1964. Na verdade, o estigma autoritário que tem marcado como tatuagem a tradição histórica brasileira se fez presente naquele ano e nos que o sucederam. Como consequência, o dilema referente à dificuldade de consolidação de experiências democráticas no Brasil continuou a permear o cotidiano da população brasileira nos anos que sucederam ao golpe de estado. 

Foram os grupos conservadores, históricos opositores do trabalhismo e de João Goulart, os responsáveis pela interrupção da experiência democrática brasileira em 1964. Foram eles também que, à frente do governo federal, reproduziram por vinte anos uma prática discricionária, autoritária, arbitrária e excludente. Sempre com o apoio e financiamento dos americanos.

Resolvi escrever sobre o tema em razão das diversas manifestações que andam percorrendo o país, clamando pelo retorno dos militares. Os militares não retornarão, pois o trabalho da CIA atualmente não necessita deles. Hoje, a CIA conta com o sistema bancário, a mídia, empresários e políticos para fazer seu serviço sujo. 

Não acredite em mim. Pesquise por si mesmo. Abra seus olhos, investigue todas as vertentes de um mesmo tema. A história é contada pelos vencedores. Mas isso não apaga o lado dos vencidos, apenas torna mais difícil encontrá-lo. Não aceite cegamente os meus argumentos, porém, use de isenção, e, portanto, não aceite tampouco o que a mídia e a elite te dizem.

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